terça-feira, 26 de julho de 2011

O PROBLEMA DO SUJEITO EM PAUL RICOEUR FACE AO ESTRUTURALISMO



           
            O presente ensaio tem como escopo perceber de que modo o sujeito em Paul Ricoeur é uma alternativa critica a filosofia sem sujeito do estruturalismo. Para tanto, lança mão de dois percursos: primeiro, investigar em que sentido o estruturalismo é uma filosofia sem sujeito e, em virtude disso, decreta a morte do sujeito; segundo, investigar a constituição do sujeito na filosofia de Paul Ricoeur, visto que ela não é uma adesão pura e simples da ideia de sujeito preconizada pelos fautores da modernidade, mas, pelo contrário, é problemática. Ao final dessa tarefa há de se perceber que a filosofia do sujeito em Paul Ricoeur contém o elemento conceitual básico da subjetividade que permite dizer que o sujeito não “morre”, antes, pelo contrário, permanece e, cuja permanência, acontece numa tarefa dupla: ética e hermenêutica. Das duas tarefas se prestigiará a segunda, ou seja, a hermenêutica a fim de contrapô-la à filosofia estruturalista sem sujeito por meio daquilo que lhe é essencial: a compreensão.
            Passemos ao primeiro percurso. O estruturalismo é o desejo de dar mais cientificidade aos fenômenos humanos, os quais são estudados pelas ciências humanas. Essas, por sua vez, pecavam pela pouca ou nenhuma cientificidade, visto que “[...] introduzir uma ordem explicativa em classes de fenômenos totalmente incoerentes no plano fenomênico” (ROVIGHI, 1999, p. 541) é uma tarefa hercúlea. Contudo, com o advento do método estruturalista proveniente da linguística, sobretudo, do método preconizado por Ferdinand Saussure no seu Curso de Lingüística Geral – obra publicada postumamente - aconteceu um vicejamento nas ciências humanas. Fato esse que torna explicável o sucesso obtido pelo método estruturalista nas décadas de sessenta e setenta do século passado, bem a migração de inúmeros intelectuais provenientes das mais diferentes áreas do saber.
            De acordo com a visão estruturalista o sujeito ocupa um lugar secundário na ordem das coisas, haja vista a já ocupação primária por parte dos elementos simbólicos no âmbito da própria estrutura. Ora, o simbólico, segundo G. Deleuze, é o terceiro nível do esforço humano para apreender a realidade na qual está imerso, já que, o primeiro e segundo níveis se fala em termos de real e imaginário, portanto é um acréscimo, uma vez que, os fautores de tal método recusam, terminantemente, a fusão compreensiva do simbólico e do imaginário como sendo a mesma coisa.

            Qual percurso percorrido até o modelo preconizado por Saussure cuja tese de fundo decreta ‘morte’ do sujeito? Segundo os estudiosos está embrionariamente nos projetos verrumantes dos mestres da suspeita.
Os “mestres da suspeita”, nomeadamente, Nietzsche e Freud, estão na base da desconstrução do sujeito, isto é, da sua “morte”, sobretudo, a morte daquele sujeito preconizado pela modernidade, uma vez que advogam uma ideia segundo a qual a apoditicidade do cogito deve ser posta em suspensão (suspeita).
Com afirma Garaudy (1968, p. 166) o problema remonta
[...] há cerca de três quartos de século quando Nietzsche anunciava a morte de Deus. Mas não basta matar Deus para operar uma transmutação dos valores: [...] o conjunto dessas razões que o homem se dá para obedecer.
Com efeito, o super-homem nietzscheniano ainda é o homem? Noutros termos, “[...] a afirmação de si como sujeito (caso seja) não deve ser classificada no número das ilusões que denunciava Nietzsche?”. (GARAUDY, 1968, p. 167). Ou seja, já está anunciada, tacitamente, no projeto nietzscheniano de demolição do cogito, a ‘morte’ do além-do-homem nietzchiniano.
A segunda fonte é Freud, sobretudo, através do texto no qual o psicanalista menciona a terceira humilhação pela qual passou o homem desde Copérnico e Darwin, ou seja, a humilhação psicanalítica. Assim, na humilhação copernicana o homem e mundo não são senão um ponto na imensidão do universo. Na darwiniana, por sua vez, o homem é apenas um episódio da evolução da vida e, por fim, na psicanalítica, o homem não é senão um efeito da estrutura inconsciente que lhe é anterior e que lhe governa. (GARAUDY, 1968, p. 167-68).
O sujeito não é primeiro, mas segundo, uma vez que ele não aparece como
[...] doador de sentido, mas como lugar de produção e de manifestação de sentido, um espaço de troca, de seleção e de combinações reguladas entre sistemas simbólicos, um campo de operações onde esses sistemas se limitam [...] espaço onde ele se produz na ilusão de sua substância autocriadora que nós leremos como efeito. (MARIN, 1973, p. 688).
Disso se segue que o sujeito é apenas uma invenção, pois é apenas o efeito de algo que o antecede.
Passemos ao segundo percurso, qual seja a constituição do sujeito na filosofia de Paul Ricoeur. Com efeito, esse é um tema vastíssimo dentro da obra do pensador francês e, em virtude disso, não convém percorrer minuciosamente. Sendo assim, cabe partir de um ponto já delimitado – com todos os problemas que essa arbitrariedade comporta – o qual, por sua vez, se traduz nesses termos: a constituição do sujeito pelo mundo da obra. Disso se segue que é um paradigma eminentemente hermenêutico ou, mais precisamente, do âmbito da problemática hermenêutica.
Pela própria colocação já fica marcada a problemática que será discutida: a constituição do sujeito. Assim, cabem as perguntas: de que forma a obra constitui o sujeito? O que é a constituição do sujeito via obra (livro, escultura, arte, ambiente etc.)? Antes, porém, de responder a essa questão é pertinente considerar que todas essas manifestações do gênio humano podem ser enfeixadas sob uma mesma perspectiva de análise, qual seja a linguagem. Partindo da aceitação desse axioma convém dizer que a forma da linguagem é ambígua e imperfeita. Com efeito, essa noção de linguagem extrapola o nível meramente conceitual gramatical da linguagem unívoca e coerente, a qual é pertinente na busca de uma maior objetividade. Contudo, desconsidera o caráter ambíguo e imperfeito da linguagem é entendê-la como portadora de uma homologia estrutural com o mundo apreendido.
Diante disso se pode afirmar que quando há a compreensão de algo há, tacitamente, a compreensão de si mesmo. Esse, com efeito, é o ponto de partida. Existem três caminhos a serem percorridos nesse intuito: a busca hermenêutica de si-mesmo, a experiência estética e a autonomia do texto. Contudo, permaneceremos apenas com o primeiro. Tal se dá devido ao fato de que entendemos que ele é suficiente para a apreensão do elemento conceitual básico da subjetividade e, isso já numa perspectiva ricoeuriana.
O si ricoeuriano é um topos e nunca é um dado, portanto, é sempre uma tarefa, na verdade, uma dupla tarefa: ética e hermenêutica. O leitor tem no texto um topos privilegiado de constituição de si, pois quando se processa o ato de leitura ocorre uma desconstrução de si e, por conseguinte, uma espécie de derrelição, e, em seguida, ocorre um encontrar-se para além daquele topos no qual estava quando do começo da leitura. Ela se dá em dois momentos um arqueológico e um teleológico. É justamente nessa atividade que se constrói a constituição do sujeito por meio do “mundo da obra”.  A partir do critério da compreensão do texto, há uma exigência implícita de um alguém para compreender o texto, pois compreender é compreender-se diante do texto. Com efeito, é a irredutibilidade do si, o qual é a condição de possibilidade de toda hermenêutica, posto ser ele é o ponto de partida, que está implícita a salvaguarda do sujeito, mais precisamente, do sujeito hermenêutico.
Segundo a aplicação a orientação metodológica proveniente da linguística, a qual fora seguida por outras ciências humanas, sobretudo pela etnologia, o sujeito não é primeiro, mas segundo, uma vez que ele não aparece como
[...] doador de sentido, mas como lugar de produção e de manifestação de sentido, um espaço de troca, de seleção e de combinações reguladas entre sistemas simbólicos, um campo de operações onde esses sistemas se limitam [...] espaço onde ele se produz na ilusão de sua substância autocriadora que nós leremos como efeito. (MARIN, 1973, p. 688).
Disso se segue que o sujeito é apenas uma invenção, pois é apenas o efeito de algo que o antecede. Ora, é justamente essa característica que é criticada por Ricoeur quando afirma que uma tal ideia é simplesmente fabulosa. (RICOEUR, 1995, p. 112). Com efeito, é a partir dessa exacerbação dentro do âmbito do estruturalismo, ou seja, a transformação de uma metodologia em uma filosofia estruturalista que intriga Ricoeur, pois, como afirma o pensador francês, é dessa exacerbação que a prática estruturalista “[...] extrai uma doutrina geral em que o sujeito é eliminado de sua posição de enunciador do discurso”. (RICOEUR, 1995, p. 110).
Conforme a ideia ricoeuriana da constituição do sujeito hermenêutico, o qual é exigido para a compreensão de algo, se depreende a ideia de que é uma alternativa critica a filosofia sem sujeito do estruturalismo.
Reymond Lima

Nenhum comentário:

Postar um comentário